quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Velha Gaiteira...

Era uma manhã fresca do mes de Setembro, lá fora, já se ouvia o bulício da vida campesina da aldeia.
- Bom dia,tio António, já lá vai para a lida, não é assim?
- Que remédio, rapaz...
Alice tinha acordado cedo,começou por abrir o roupeiro que tinha no quarto, para fazer alguma arrumação. Viu num dos cantos um velho vestido e ficou para ali a recordar... Era ainda uma jovem a última vez que o tinha vestido nos festejos da aldeia.Que saudades desse tempo... Já tinham passado tantos anos... Aflijia-a a ideia de envelhecer.Ficava assim sujeita aos piropos duma sociedade que teima em arrumar os velhos quando atingida uma certa idade. Sempre ali tinha vivido, conhecia bem os seus conterraneos, povo honesto e trabalhador.Entristecia-a porem,saber que muita daquela gente ainda sonhava mas de modo que ninguem se apercebesse, não fossem cair no ridiculo... Alice olhou para o espelho e viu que as rugas já eram muitas,os cabelos embranqueciam, mas não queria sentir-se arrumada.
Mergulhada nos seus pensamentos,ouviu na rua os acordes duma suave melodia e vozes de crianças. abriu a janela com curiosidade.Sob a mesma conversavam duas mulheres:
-Olha o Manel dos livros,agora depois de velho arranjou uma sanfona para tocar,dizia uma.
- Lá diz o ditado, depois de velho gaiteiro.- respondeu a outra com ironia.Um homem já entrado na idade,tocava um pequeno harmónio a alguns metros dali, Tinha à sua beira um cesto com livros meio envelhecidos, e estava rodeado de crianças que pareciam felizes. A curiosidade continuava a espicaçar Alice. Apróximou-se, comprou um livro e reparou que dos olhos do musico, emanava um resto de juventude, que o tempo não tinha destruído totalmente, a vontade que ele tinha de partilhar com os outros a sua boa desposição, dizendo sempre uma graça...
Alice movida pelo desejo de saber quem era aquele homem que nunca tinha visto por ali, meteu conversa, perguntando:
-O senhor está sempre assim bem humorado?
O homem meio enigmático,respondeu-Vendo sabedoria e alimento os espiritos com a minha música. Já reparou nos olhos destas crianças?
-Sim parecem felizes-respondeu Alice.
Manuel pôs ao ombro o harmónio, pegou no cesto dos livros e partiu de cabeça baixa... para outra esquina sempre seguido da miudagem.
Alice ficou impressionada. Aqueles olhos faziam-lhe lembrar alguém que há muito perdera... Foi para casa e voltou a abrir o roupeiro, desta vez para tirar uma velha caixa de sapatos, onde tinha guardadas recordações do seu tempo de menina. Tirou uma fotografia que contemplou... pela face correram-lhe algumas lágrimas. A foto era dum homem, o único que amara na vida e lhe tinha sido roubado por uma guerra injusta, como injustas são todas as guerrs. Partira um dia já distante no tempo, e nunca mais voltou...
Manuel,o homem da sanfona, ao anoitecer, voltou para casa situada a poucos metros da aldeia, onde vivia sozinho. também ele ficou intrigado, aquela voz...Não era possivel, tinham passado tantos anos!...Estava cansado, deitou-se cedo e procurou não pensar mais. O seu nome actual era Manuel assim era conhecido por toda aquela gente, Jorge, o seu verdadeiro nome há muito que tinha desaparecido...
Os dias foram passando. Manuel, todas as tardes passava e tocava naquela rua era como se quisesse alimentar uma uopia...Alice sentia-se estranha,não deixava de pensar nos olhos de Manuel, não fossem eles tão parecidos com os de Jorge,o seu grande amor, assim às primeiras notas musicais que ouvia, abria a janela e ficava para ali...A vizinhança começou a notar que algo estava diferente no seu comportamento e comentava:
- que se passa com Alice? Não gostaria de ter razões para dizer que alguma coisa mudou, foi sempre tão acertadinha- dizia Ana para o marido.
-Sim, também tenho reparado, não é a mesma...-respondeu este
Naquela tarde, Manuel ficou mais próximo da janela, tão próximo que Alice pôde ver uma pequena cruz que pendia no peito do musico,suspenso duma tira de cabedal. Alice
estremeceu era como se sonhasse.Indagou:
-Senhor, essa cruz deveria estar no peito dum homem chamado Jorge, diga-me como a obteve? Foi seu companheiro de guerra?... Estava ansiosa...
-Não é possivel...Alice... É uma longa história...respondeu Jorge.
Alice,tinha agora uma certeza: Aqueles olhos não a tinham enganado... Era Jorge quem estava ali.
Depois de alguns dias passados ficou a saber que Jorge oficialmente tinha morrido na guerra. Para ela o importante, era saber que o seu único amor tinha voltado...
Sentia agora vontade de vestir o seu velho vestido e deixou de ter receio de ser apelidada de velha gaiteira.


















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